Você sabe qual a diferença entre cachaça e aguardente? E
qual a diferença entre cachaça e pinga? O que a lei diz é que existem apenas
dois nomes: cachaça e aguardente. Todas as outras denominações: pinga, água que
passarinho não bebe etc. etc. legalmente não existem.
De acordo com o art. 51 do decreto 6.871, de 4 de junho
de 2009, “aguardente é a bebida com graduação alcoólica de trinta e oito a cinquenta
e quatro por cento em volume, a vinte graus Celsius, obtida do rebaixamento do
teor alcoólico do destilado alcoólico simples ou pela destilação do mosto
fermentado” (a coincidência da aguardente ter sido definida exatamente no art.
51 só pode ter sido por alguém levar um troco para isso.) A cachaça está definida no art. 53 como “a
denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de trinta e oito a
quarenta e oito por cento em volume, a vinte graus Celsius, obtida pela
destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar com características
sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até seis gramas por
litro”. Interessante observar que a aguardente que mantenha todas as
características da cachaça mas não seja produzida no Brasil não é cachaça.
O Prof. Brener Marra, o Fundador da Corfraria da Cachaça do Brasil, Boni, e o ex-Presidente e atual vice-presidente, Lúcio (Foto Oia News) |
Em algumas regiões brasileiras, como o norte e o nordeste,
a preferência é por teores alcoólicos mais elevados. Portanto, é mais comum
encontrar naquelas regiões a expressão aguardente. Em Minas Gerais e Goiás,
consome-se mais a aguardente com teor alcoólico médio de 40 graus Gl.
A cachaça pode ser também adoçada, quando recebe até 6
gramas de açúcar por litro. Quando recebe mais que 6 g de açúcar por litro, a
lei exige que esteja escrito no rótulo “cachaça adoçada”.
Além dessas, existe ainda a cachaça armazenada em tonéis.
Existem centenas de madeiras nas quais se coloca a bebida, deixando-a descansar
por um período adequado para o paladar desejado pelo produtor. Por lei, os
tonéis, ou barris, ou dornas, só podem ter a capacidade máxima de 700 litros. A limitação é porque quanto maior o tonel menor contato
entre a madeira e a cachaça. Nesse caso, o rótulo receberá a descrição: armazenada
em barris de carvalho, umburana etc. etc.
Para se obter uma cachaça envelhecida, é necessário
primeiro ter uma cachaça de boa qualidade, para não despender esforço em vão e,
pior, pagar mico, porque, quem se dispõe a pagar caro por uma bebida,
geralmente sabe o que espera dela. Depois, tem que fazer uma requisição no Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), cujos fiscais acompanharão o
processo de envasamento e lacre e, posteriormente, deslacre dos tonéis. A
cachaça deverá permanecer no mínimo um ano lacrada. Esse procedimento garante
ao consumidor que a bebida genuinamente brasileira permaneceu mesmo
envelhecendo. Depois de deslacrar o barril, pode-se acrescentar até 50% de
cachaça nova, e ainda melado, para correção da cor. Já há proposta para alterar
essa norma, excluindo-se a mistura de cachaça nova, mas até o momento, ainda
não foi aprovada.
O produtor poderá optar por não misturar nada após o
envelhecimento. Neste caso obterá a
cachaça Premium, se permaneceu envelhecendo por um período superior a um e
inferior a 3 anos, ou a Extra Premium, se o período for superior a 3 anos (isso
está definido na Instrução Normativa MAPA n.º 13, de 29 de junho de 2005, com
as alterações introduzidas pelas INs 27, de 15/05/2008 e 58, de 19/12/2007). E
há garantia, porque foi fiscalizada pelo Ministério da Agricultura.
Do tempo em que foi regulamentada para o período que
foram fechados os primeiros barris no Brasil, existem cachaças Premium garantidas
pelo MAPA de no máximo 6, 7 anos. A primeira cachaça Extra Premium envelhecida,
lacrada em barril, foi a cachaça do Ministro, cujo lançamento se deu num almoço
da Confraria da Cachaça do Brasil, em Brasília. Todo o trabalho de protocolo,
lacre e deslacre de barril efetuado pela primeira vez no Brasil foi no estado
de Goiás, em Alexânia, onde fica a sede
da cachaça do Ministro. Este ano, vai ser lançada a Extra Premium 7 anos. Pode ter
cachaça de 12, 15 anos de envelhecimento no Brasil, mas para confiar nela,
precisa saber se o produtor é idôneo e se dá para confiar nele. Mas fiscalizada
mesmo, mesmo tem que ter no máximo 6, 7 anos.
Existe outra diferença técnica entre cachaça e aguardente.
Na produção da bebida, o destilado é separado em três frações diferentes,
denominadas cabeça, coração e cauda. Os primeiros litros (cabeça) contêm elevados
teores de substâncias tóxicas, como aldeídos, furfurais, ésteres e outras
substâncias que causam ressaca, dor de cabeça, mau hálito, aquele gosto de
guarda chuva na boca com que você acorda após tomar cachaça de qualidade
duvidosa. A última fração, cauda, também contém aldeídos, ésteres e álcoois
superiores. Quando se remove a primeira e a última frações, cabeça e cauda, e se
aproveita só o “filé mignon”, só o coração, é que se diz, extraoficialmente, que
se obteve cachaça. Aquelas bebidas onde são aproveitadas a cabeça e a cauda, mais
fortes e que causam o efeito de ressaca maior são denominadas, extraoficialmente,
como aguardente. Obviamente que as grandes destilarias produzem aguardente mas,
por fatores comerciais, preferem usar o nome cachaça. Existe um lobby muito grande
nisso, e a lei ainda não previu como resolver.
Curiosidades
·
O Governo Brasileiro definiu as expressões
"cachaça", "Brasil" e "cachaça do Brasil" como
indicações geográficas por meio do Decreto nº 4.062, de 21 de dezembro de 2001,
garantindo sua propriedade contra o mau uso.
·
Não dá para saber se por dúvida, embriaguez ou
gagueira, o legislador grafou de três formas as expressões rum e uísque, no
Decreto 6.871/2009. Rum, rhum ou ron, no art. 54, III, e uísque, whisky ou
whiskey, no art. 55.
·
Um produtor mineiro lançou uma cachaça de marca João
Andante, em 2008, com um rótulo que é uma caricatura do rótulo do famoso uísque
Johnnie Walker. Os britânicos o
processaram por plágio e ele perdeu o direito de usar essa marca. Mas ganhou
fama, cortou o “joã” e as pernas do caminhante no rótulo e lançou O Andante, na
Expocachaça, realizada na Expominas em maio deste ano.
·
O trabalho desenvolvido pelas Confrarias de
Cachaça espalhados pelo país e pelos fabricantes de cachaças artesanais têm
obtido êxito. As vendas de cachaças tradicionais estão estáveis, e as de
cachaça “de verdade” estão crescendo. Tanto que as grandes destilarias estão se
direcionando para esse mercado e produzindo as suas Premium.
Com informações de:
Brener Marra,
Engenheiro Agrônomo, cachaçólogo, professor de Tecnologia de Bebidas
Fermentadas e Destiladas da Universidade Federal do Paraná.
Carlos A. Galinaro,
Alexandre A. da Silva, Daniel, R. Cardoso, Douglas W. Franco. Perfil dos compostos secundários nas
frações (cabeça, coração e cauda) da cachaça. In Sociedade Brasileira de Química ( SBQ). Disponível em <http://sec.sbq.org.br/cdrom/31ra/resumos/T1033-2.pdf>.
Acesso em 1.º jul. 2014.
Uol Economina.
Disponível em <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/20/cachaca-joao-andante-perde-processo-para-johnny-walker-e-vira-o-andante.htm>.
Acesso em 30 jun. 2014.
Uol Economina.
Disponível em < http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/06/06/grandes-fabricantes-investem-em-cachacas-premium-que-chegam-a-custar-mais-de-r-100.htm>.
Acesso em 30 jun. 2014.
E da legislação já
mencionada.
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