segunda-feira, 30 de junho de 2014

Entrevista Eliezer Neto, produtor da Princesa do Vale

Hoje é 27 de junho de 2014 e nós estamos aqui com o Elieser Lacerda Neto, neto do primeiro produtor da cachaça Lua Nova, que agora mudou de nome para Princesa do Vale. Fale sobre a sua cachaça aqui para o Blog Oia News.

Eliezer Lacerda Neto fala para Oia News (Foto Márcio Braga/Oia News)


Eliezer Neto: A história da Princesa do Vale começou em 1949, com a cachaça Lua Nova. Lua Nova porque a fazenda se chama Lua Nova. Meu avô, Eliezer Lacerda, começou,  após a aquisição da fazenda, em 1949, a primeira produção da cachaça artesanal, que levava então nome de Lua Nova, em alusão o nome da fazenda. Seu Elieser, afamado fazendeiro, criou fama logo muito em breve com a cachaça e a cachaça se alastrou pelo Vale do Jequitinhonha, por ser de altíssima qualidade.

O Seu Elieser morreu em 1986 e meu pai, Celso Lacerda, prosseguiu com a produção da Lua Nova. A cachaça Lua Nova começou então a ser difundida mais ainda na região, sendo vendida inclusive em áreas para fora de Minas: Brasília era um mercado muito bom. Entretanto, em meados da década de 1990, um outro alambique produtor de cachaça conseguiu, junto ao INPI, Instituto Nacional de Propriedade Industrial, registrar a marca Lua Nova como deles. A gente acabou perdendo a patente da cachaça Lua Nova em 1998. Meu pai meio que desanimou com o ramo e segurou um pouco a produção, ficou simplesmente com o mercado regional justamente por essa desilução de ter perdido a marca Lua Nova. Então ele continuou prosseguindo com a fabricação, embora em baixa escala, justamente para atender ao mercado municipal e regional, mas ainda com o nome cachaça Lua Nova. Mas eu sempre sonhei em manter a tradição da família e ver novamente aquela produção, como meu avô fazia. Não queria deixar morrer. Porque foi ali que eu fui criado e de onde tenho boas lembranças.

Em 2013, eu regressei dos Estados Unidos, onde morava, e comecei então a desenvolver um planejamento mais profissional para nossa cachaça e resolvi abandonar o nome Lua Nova e fazer uma nova marca, porque não faz sentido você ficar difundindo uma marca que foi adquirida por alheio. Então, nós começamos com o planejamento da cachaça Princesa do Vale em agosto do ano passado. Eu mandei fazer um novo rótulo, novas garrafas. Agora sai tudo padronizado. Os rótulos são padrão exportação e estamos em vias de registro do alambique. Estamos regularizando todos os documentos que estavam pendentes para poder, de fato, começar a comercializar a Princesa do Vale em larga escala. Tanto para Minas quando para o Brasil inteiro e quem sabe, possivelmente, para o exterior.

Este é o primeiro lote que estamos tirando. Ela é descansada em dornas de umburana por aproximadamente oito meses. Está com uma graduação alcoólica de 42%, em volume de 20 graus, porque antigamente tirávamos a cachaça a 48%. Só que o mercado hoje em dia é muito dinâmico, as pessoas estão consumindo a cachaça de uma maneira mais ativa, então, a cachaça tem que ser um pouco mais suave, tem que ser mais leve para atender a todos os paladares. Só que a Princesa do Vale não perde o sabor intenso de cachaça. Permanece com aquela característica forte de cachaça mas dissipa logo na boca. É uma cachaça leve, suave, gostosa. Esse primeiro lote a gente está trazendo pela primeira vez em Brasília. É um prazer estar aqui hoje na Confraria da Cachaça do Brasil. Estamos contentes porque o pessoal está gostando, tem tido uma boa repercussão e vamos em frente. Vamos tentar colocar ela no mercado e prosseguir com esse produto.

Márcio Braga: Vai ter a branca? A caipirinha é feita com a branca.

Eliezer Neto: Vai ter a branca, a gente já produz. Não trouxe a branca porque eu não sabia que tem tanto mercado para ela. Mas o pessoal tem pedido e na próxima vez eu trarei algumas caixas da branca para divulgar aqui também.

Márcio Braga: Vocês pensam em alguma premium?

Eliezer Neto: Sim. Essa cachaça a 42% é para rotatividade alta. Mas a gente está soltando uma porcentagem da produção com 48%, como era tradicionalmente feita, que está indo para o envelhecimento. Vai sair com a reserva. A gente está pensando em um mínimo de dois anos de envelhecimento. Vai ter a branca, a intermediária e a mais forte, que é aquela cachaça tradicional. Essa vai ser uma cachaça premium, para as pessoas mais exigentes.

Márcio Braga: Vai ser na mesma madeira? E porque umburana?

Eliezer Neto: Vai ser umburana mesmo. É uma madeira de mais fácil acesso para nós e confere uma tonalidade diferenciada para cachaça. E o sabor e o aroma são mais leves que o de carvalho. As pessoas gostam muito do carvalho pela semelhança com o whisky, no final, o carvalho tem um amargozinho, ele trava um pouco a língua. A amburana não, ela é suave. Ela fica e desce redondo. Por isso que a gente está querendo manter essa tradição da umburana.

Oia News: A gente tem notícia que o número de alambiques em Minas Gerais reduziu muito. Os entraves burocráticos são muito onerosos para fazer registro mesmo? Faz sentido um monte de gente desistir de manter seu registro e ficar na clandestinidade?

Eliezer Neto: É verdade. Muitos produtores que a gente conhece lá na nossa região, principalmente os amigos do meu pai com quem eu tenho um contato, a maioria das cachaças que anteriormente estavam em processo de registro houve uma grande de desistência, porque a burocracia é tamanha e há um desestímulo por parte do governo. A gente não entende por que uma cachaça industrial tem incentivo fiscal e as cachaças artesanais não têm. Para as cachaças artesanais o imposto gira em torno de 37% a 40%. Quer dizer, para quem é pequeno produtor é muito difícil se inserir no mercado. Ainda tem que se preocupar com marketing, com produção padronizada. Tem que pagar impostos, salário do trabalhador. Não é fácil manter. Então, os pequenos estão preferindo ficar na clandestinidade porque a margem de lucro é maior e a produção permanece a mesma sem ter que investir nada.

Márcio Braga: E o mercado internacional? Porque o mundo inteiro adora cachaça.

Oia News: Inclusive o ex-presidente da República deveria ter diminuído a burocracia para ele ter cachaça de melhor qualidade para ele beber.

Eliezer Neto: Exato, o Lula inclusive foi várias vezes na nossa região, no Vale do Jequitinhonha, e a gente imaginava que ia ser uma coisa bacana, que a gente iria receber algum estímulo. Ele foi, recebeu várias cachaças de presente. Inclusive um amigo do meu pai deu uma caixa de presente para um assessor que, imagino, deve ter dado para ele. Mas o que permaneceu é justamente isso, ainda não tem incentivo fiscal para o pequeno produtor. O pequeno produtor sofre porque ele não tem dinheiro para investimento, é difícil aos bancos concederem financiamento para investirem no alambique, e para manter a produção também requer muitos cuidados, muitas exigências do Ministério da Agricultura, Agropecuária e Abastecimento, que faz muitas exigências, principalmente sanitárias. Então, para conviver com essas exigências é muito difícil. É preciso um investimento muito alto. A gente espera que os governantes deem uma olhada para o pequeno produtor de cachaça, para ele manter a tradição e até mesmo para estimular a economia. Ter pessoas participando de uma fatia maior da economia de uma maneira formal, se tivesse algum incentivo.

Márcio Braga: Como é o cultivo da cana, a colheita? É na queima ou não?

Eliezer Neto: Não! A gente nunca queimou cana para fazer cachaça.

Márcio Braga: E qual a área que vocês têm?

Eliezer Neto: A gente tem hoje 4 alqueires plantados de cana. É um canavial antigo. Desde a década de 1990 que esse canavial existe e já está um pouco enfraquecido. Para aumentar a produção, a gente vai investir em adubação e aragem do solo, vamos corrigir o ph do solo, vai ser uma coisa mais elaborada. Com isso, além de aumentar a qualidade da cachaça, aumenta também a quantidade da produção.

Márcio Braga: E a colheita, como é feita?

Eliezer Neto: A colheita é feita manualmente, a moagem é feita na mão. O processo é todo artesanal. Sai de lá na mão, entra na mão e sai da mão direto para a garganta.

Márcio Braga: E na hora do alambique, é desprezada a cabeça e a cauda?

Eliezer Neto: Retira a cabeça e a cauda. Só aproveita o coração.

Oia News: Para finalizar, qual é o diferencial da Princesa do Vale, além da tradição familiar, da sua simpatia e do seu dinamismo? 

Eliezer Neto: A gente está apostando em qualidade. Uma coisa que eu converso diariamente com meu pai. Porque o que acontecia era o seguinte: quando se tinha demanda da cachaça, saía uma produção de qualquer jeito. E isso é uma coisa que eu discordo. A cachaça tem que ter um padrão de alto nível, principalmente as nossas, que são feitas lá naquela região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, que é afamada na produção de cachaça. Nosso diferencial vai ser manter a qualidade. Eu não tenho intenção de ficar milionário com cachaça. Quero simplesmente manter uma tradição familiar e obviamente me divertir. Eu adoro estar nesse ambiente de pessoas que admiram cachaça, que gostam de uma cachaça de qualidade. Manter a produção em baixa escala justamente para manter esse padrão de qualidade. Esse rótulo, que o pessoal tem dito que está muito bonito. É o nosso lema: “Uma boa cachaça tem de ser cheirosa, suave e gostosa, como uma Princesa. Princesa do Vale.”

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