Ontem, 15/5, não houve postagem porque o redator deste blog foi contemplado por um assaltante, com quem pôde privar por cerca de uma hora e meia. O ladrão, educadamente, solicitou-me conduzi-lo até uma estrada vicinal, sem iluminação, longe "pra dedéu", onde me convidou a descer do meu próprio carro, deixando todos os meus pertences e ainda "feliz por não ter que tirar a roupa e ficar nu, naquele ermo".
Na oportunidade, aproveitei para colher o depoimento transcrito abaixo. Não há foto por dois motivos: primeiro por ele ter se recusado a posar; segundo, por ter ficado com o meio de que eu dispunha para tirar fotos. Também ficou com meu celular, objeto que pretendia usar para a gravação da entrevista. Desta vez, o facínora não será identificado por motivo diferente dos facínoras do governo e da política: não é para evitar que alcance notoriedade às nossas custas, como acontece com os malfeitores da pátria que recebem muito espaço na mídia. É porque, por motivos óbvios, não quis se identificar. O veículo foi recuperado pela polícia, na tarde de hoje, sem alguns acessórios e as rodas, mas com um bilhetinho no para-brisa, contendo os seguintes dizeres "cuidado com a língua". Portanto, o que segue é um resumo do que me lembro da conversa, durante o percurso. Não é exatamente as palavras do dito cujo.
Admirou-me a educação com que fui tratado. Inicialmente, o indivíduo me abordou pelas costas, instando-me a voltar para dentro do carro, informando que havia uma arma apontada para mim. Sentou-se no banco de trás, fora do alcance do espelho retrovisor, e pediu-me que fosse seguindo suas instruções. Disse a ele que alimentava um blog contendo a versão da notícia pelo lado avesso, ou seja, a versão que o Editor-Chefe não manda para o ar por medo de ser despedido, transmitindo informação atualizada com alguma dose de humor e ironia. Essas coisas que vocês estão cansados de saber. Pedi que me honrasse com uma entrevista para publicação neste espaço, para compensar a aventura e as perdas, o que me foi concedido, sob a recomendação de ter juízo com o que fosse publicado.
O mencionado cidadão explicou-me que fora empresário bem sucedido, classe média alta, ou seja, mais de R$ 1.600,00 por mês, segundo contas do governo e dos institutos puxa-sacos do governo. Teve casa boa, os filhos estudavam em boas escolas caras, a mulher tinha mordomia e mordoma, que é a mulher do mordomo. No entanto, fora assaltado muitas vezes. No início, a seguradora cobria os prejuízos, mas após alguns assaltos, deixou de aceitar sua apólice. Depois disso, a cada ocorrência, negociava com os fornecedores e ia tocando a vida. Mas os assaltos não paravam. A polícia nunca prendeu seus algozes e muito menos recuperou seus pertences. Uma ocasião, alguns desses honrados cidadãos que recebem do Estado para garantir sua proteção propuseram que ele pagasse o combustível e alimentação como contribuição para encontrarem os meliantes que o atormentavam. Alguns meses depois, ele fez as contas e percebeu que as viaturas policiais bebem muito e seus ocupantes comiam demais.
Sem a proteção policial e com uma "colaboraçãozinha" dos meliantes, só lhe restava o apoio dos clientes e fornecedores. Os primeiros não o abandonavam e os segundos negociavam suas dívidas. Até que um dia se viu sem crédito e sem mercadoria. Enquanto toda a sua vida de trabalho árduo e honesto lhe passava pela cabeça, passava também um sentimento de revolta. Enquanto a escola das crianças lhe cobrava as mensalidades e a esposa cobrava a devolução do cartão de crédito, um sentimento de impotência lhe assaltava. Pensou em suicídio.
Durante algumas dessas reflexões, ocorreu-lhe que se as autoridades não foram capazes de prender os ladrões que o levaram à bancarrota e reaver-lhe os pertences, também não teriam a mesma habilidade com ele, caso seguisse o mesmo caminho. Foi daí que estudou bastante o Código Penal, leu bastantes jurisprudências, contratou um bom advogado criminalista e finalmente entrou no mundo do crime.
De lá para cá, reouve parte substancial do que perdera e já programa sua aposentadoria nessa atividade, voltando às atividades laicas, desta vez com um bom sistema de segurança privada. Disse do único medo que tem: policial honesto, uma praga que grassa as delegacias e quartéis, e dos outros ladrões. Que o advogado é pago com antecedência, de modo que, em caso de prisão, já dispõe de recursos suficientes para garantir os honorários advocatícios e as propinas de praxe.
Nada mais disse nem lhe foi perguntado, por ter chegado ao nosso destino. Ou melhor, ao destino dele. Longe da civilização, pelo menos para quem ficara à pé no meio do nada, e "feliz por não ter que tirar a roupa e ficar nú, naquele ermo". Nada nos bolsos além de um maço de cigarros e um isqueiro, que para ele não serviria de nada, e ainda tendo que ouvir sermão de ex-tabagista. Não tenho ideia de quanto tempo andei até encontrar vivalma que me oferecesse auxílio e algum conforto, mas foram exatos dez cigarros.
Depois daquela história toda, fiquei até na dúvida se faria uma queixa na delegacia (1). Mas fiz, o que me valeu uma ligação telefônica dando conta do achado do meu carro nesta tarde. Embora meio depenado, pelo menos gastarei menos de um terço do preço total para fazê-lo rodar novamente.
É preciso esclarecer que este blog tem como objetivos informar e divertir. Portanto, todos os posts são constituídos por uma informação atual, verdadeira, e um comentário jocoso e/ou irônico, mas absurdo. O de hoje, da mesma forma. O relato acima é atual e verdadeiro. O que há de absurdo, ou inverídico, é o assalto a que fomos vítima. O empresário falido que se tornou ladrão pode não ser tão inverídico nem tão absurdo. O resto é verdade e atual. Desde o ladrão polido ao pagamento antecipado do advogado são excertos de histórias reais ouvidas ao longo da vida. Além do mais, eu precisava de uma desculpa por não ter postado nada nesta quinta-feira.
(1) Quando eu era estudante de direito na Vetusta Casa de Afonso Pena (2), na década de 1980, o termo correto era fazer uma "representação". Os tempos passaram, eu não estudo mais direito nem me tornei advogado e os repórteres semialfabetizados sempre usaram um pelo outro, desinformando tanto as pessoas que hoje eu tenho dúvida se é inapropriado fazer uma "queixa" na delegacia.
(2) Vetusta Casa de Afonso Pena, ou Vetusta, ou Vetustíssima, é o nome respeitoso que se da à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em justa e carinhosa homenagem ao seu fundador e primeiro diretor.